Machado de Assis: O Gênio à Frente de Seu Tempo
- Borô

- 8 de jun.
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No cânone da literatura mundial, poucos autores conseguem transcender sua época com a maestria de Joaquim Maria Machado de Assis (1839–1908). Considerado o maior escritor brasileiro, Machado construiu uma obra que, mais de um século depois, permanece atual, provocativa e surpreendente. Seus livros desafiam convenções, misturam humor e pessimismo, ironia e profundidade psicológica, em uma prosa que parece dialogar diretamente com o leitor do século XXI. Não à toa, nos últimos anos, seu trabalho tem sido "redescoberto" por críticos e leitores estrangeiros, que o celebram como um dos grandes nomes da literatura universal.

Um Escritor Inovador e Atemporal
Machado de Assis não seguia regras. Em uma época em que o Romantismo ainda dominava as letras brasileiras, ele ousou ser diferente. Sua escrita é marcada por um estilo único, repleto de digressões, sarcasmo e uma fina análise da natureza humana. Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), seu romance mais revolucionário, é narrado por um defunto—um protagonista que, já morto, conta sua vida de forma irreverente e cínica. A obra, considerada precursora do Realismo no Brasil, rompe com a linearidade narrativa e expõe as hipocrisias da elite carioca do século XIX com uma ironia que ainda hoje soa moderna.
Outras obras fundamentais incluem Dom Casmurro (1899), um romance psicológico que gira em torno do ciúme e da dúvida, e Quincas Borba (1891), uma sátira filosófica sobre a natureza humana. Seus contos, como O Alienista e Missa do Galo, também são exemplos de sua genialidade em explorar temas complexos com economia de palavras e precisão narrativa.


Um Mulato no Brasil Imperial
A trajetória de Machado de Assis é ainda mais impressionante quando consideramos seu contexto histórico. Nascido em uma família pobre, neto de escravizados, mulato em um país que havia acabado de abolir a escravidão (1888), ele superou barreiras sociais brutais para se tornar não apenas um escritor reconhecido, mas um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 1897—da qual foi o primeiro presidente. Sua ascensão num Brasil profundamente racista e estratificado é um testemunho de seu talento e persistência.

A Redescoberta por Críticos Estrangeiros
Nos últimos anos, Machado de Assis vem ganhando destaque no exterior. Autores como Susan Sontag, Harold Bloom e Salman Rushdie já o elogiaram como um mestre da literatura. Suas obras têm sido relançadas em novas traduções, com prefácios de escritores renomados, e comparado a gigantes como Shakespeare, Dostoiévski e Kafka. O New York Times já o chamou de "o maior escritor negro das Américas", e sua influência pode ser vista em autores contemporâneos que admiram sua narrativa não linear e sua visão ácida da sociedade.
Legado Eterno
Machado de Assis não foi apenas um grande escritor—foi um visionário. Sua capacidade de retratar a condição humana com humor, pessimismo e profundidade faz com que sua obra permaneça essencial. Em um mundo ainda marcado por desigualdades e hipocrisias, sua voz continua ressoando, provando que a verdadeira literatura não envelhece. Para quem ainda não o descobriu, mergulhar em suas páginas é uma experiência transformadora—e, para quem já o conhece, sempre há novas camadas a serem desvendadas.
Curiosidades e a Presença de Machado nas Artes Cênicas
A vida de Machado de Assis guarda peculiaridades que ajudam a entender sua genialidade. Autodidata, ele aprendeu francês e inglês sozinho, trabalhando como tipógrafo e revisor antes de se consagrar como escritor. Era epilético e gago, características que não o impediram de se tornar um dos maiores estilistas da língua portuguesa. Sua esposa, Carolina Augusta Xavier de Novais, uma portuguesa culta e refinada, foi sua grande companheira e incentivadora—dizem que ela revisava seus textos e discutia literatura com ele. Machado também era um ávido xadrezista, jogo que exige estratégia e antecipação, qualidades presentes em sua escrita irônica e calculista.

Machado no Teatro, Música, Cinema...
A obra de Machado de Assis não se limitou aos livros—ela também invadiu os palcos e as telas. Ele mesmo escreveu peças teatrais, como Queda que as mulheres têm para os tolos (1861), uma comédia satírica sobre as relações de gênero. No cinema, suas histórias foram adaptadas em clássicos como Dom Casmurro (1968), dirigido por Paulo César Saraceni, e Memórias Póstumas (2001), com Reginaldo Faria no papel de Brás Cubas. Recentemente, a minissérie Capitu (2008), de Luiz Fernando Carvalho, trouxe uma releitura moderna de Dom Casmurro, enquanto o teatro brasileiro segue revisitando suas obras, como a montagem de O Alienista pelo Grupo Galpão. Essas adaptações mostram como sua narrativa, repleta de ambiguidades e crítica social, continua inspirando artistas a explorar novos olhares sobre a condição humana.
Machado de Assis não foi apenas um escritor do passado—sua voz permanece viva, reinventando-se a cada nova geração. Seja nas páginas de seus livros, nos palcos ou nas telas, seu legado segue desafiando, provocando e encantando.
Machado de Assis não pertence apenas ao Brasil. Ele pertence ao mundo.


Suave mari magno é um dos mais conhecidos poemas de Machado de Assis, tendo sido gravado pelo Barão Vermelho em 1989, com o mercadológico título de Rock do cachorro morto. Manuel Bandeira o incluiu entre a “dúzia de poemas [de Ocidentais] que têm a mesma excelente qualidade dos seus melhores contos e romances”
Suave mari magno
Lembra-me que, em certo dia,
Na rua, ao sol de verão,
Envenenado morria
Um pobre cão.
Arfava, espumava e ria,
De um riso espúrio e bufão,
Ventre e pernas sacudia
Na convulsão.
Nenhum, nenhum curioso
Passava, sem se deter,
Silencioso,
Junto ao cão que ia morrer,
Como se lhe desse gozo
Ver padecer.








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