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Paulo Leminski: O Último Poeta Popular do Brasil?

  • Foto do escritor: Borô
    Borô
  • 31 de mai.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 8 de jun.

“Esta vida é uma viagem / pena eu estar / só de passagem”


Criativo, excêntrico e irreverente, Leminski deixou um legado que mistura haicais, concretismo e uma vida boêmia que ainda inspira novas gerações.

Se o Brasil já teve um poeta que conseguiu unir erudição e popularidade em versos curtos e impactantes, esse foi Paulo Leminski (1944–1989). Seus primeiros poemas foram publicados na revista Invenção, em 1964, então porta-voz da poesia concreta paulista.

Dono de uma mente brilhante e de uma vida intensa, o curitibano se tornou um dos nomes mais originais da literatura brasileira, misturando haicais, concretismo, trocadilhos e uma pitada de filosofia zen-budista em sua obra.


“Vai vir o dia / quando tudo que eu diga / seja poesia”


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Leminski não era apenas um poeta; era um personagem. Com sua barba desalinhada, óculos redondos e um cigarro, quase sempre entre os dedos, ele transitava entre o erudito e o marginal, entre o japonês minimalista e o barroco tropical. Sua poesia, assim como sua vida, era feita de contrastes: breves haicais que condensavam universos inteiros e poemas longos que brincavam com a sonoridade das palavras. Também foi romancista, compositor e tradutor.


O Mestre dos Haicais

Leminski tinha uma relação especial com o haicai, forma poética japonesa de três versos e 17 sílabas. Mas, como era seu estilo, ele adaptou a tradição à sua maneira, muitas vezes subvertendo-a com humor e ironia.


"Sem fazer nada, fez tudo o mestre"


Em apenas sete palavras, Leminski captura a essência do zen-budismo, filosofia que estudou profundamente. Outro exemplo:


"A lua no céu, mas eu bêbado no bar"


Aqui, o poeta contrasta o sublime (a lua) com o mundano (a bebedeira), mostrando sua capacidade de unir opostos com leveza e profundidade.



Leminski em treino de judô com o professor Aldo Lubes (imagem: acervo da família Leminski)
Leminski em treino de judô com o professor Aldo Lubes (imagem: acervo da família Leminski)

Poemas que Viraram Canções e Frases de Efeito

Além dos haicais, Leminski escreveu poemas que se tornaram icônicos, como "Distraídos Venceremos", um verso que virou quase um mantra para quem busca resistir à pressão do mundo moderno:


"Todos desejam mulheres, vinho tinto e canções e eu também, e eu também, e eu também."


Outro clássico é "Verdura", que brinca com a linguagem e o ritmo:


"Verdura, verdura

quero-te verde verdura,

verdura quero-te verde."


Seus versos eram tão musicais que muitos foram parar em canções, interpretados por nomes como Caetano Veloso e Itamar Assumpção.


O Poeta Maldito e a Bebida

Leminski viveu como escrevia: sem meias palavras. Sua boemia era lendária, e o álcool, uma companhia constante. Amante da cachaça e do uísque, ele mesmo brincava em versos:


"Bebo porque é líquido, se fosse sólido comeria."


Mas o vício cobrou seu preço. Em 1989, aos 44 anos, o poeta morreu de cirrose hepática, deixando uma obra inacabada e uma legião de fãs que até hoje o celebram como um dos últimos poetas verdadeiramente populares do Brasil – no sentido de que falava tanto ao intelectual quanto ao trabalhador, ao jovem da periferia quanto ao acadêmico.



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O Legado de Leminski

Quase 37 anos após sua morte, Leminski segue sendo redescoberto. Sua influência aparece em rappers, escritores contemporâneos e até em memes na internet. Ele foi um alquimista das palavras, transformando o cotidiano em arte e a arte em algo acessível.

Num país onde a poesia muitas vezes parece distante do grande público, Leminski prova que é possível ser profundo sem ser hermético, popular sem ser raso. Talvez tenha sido, de fato, o último poeta que conseguiu unir todos esses extremos – e é por isso que sua voz ainda ecoa, forte e clara, nas ruas, nos bares e nos livros.

"Viver é muito perigoso", escreveu Guimarães Rosa. Leminski viveu perigosamente, e sua poesia, cheia de vida, ainda nos salva da mesmice.


Paulo Leminski e a poetiza Alice Ruiz, sua esposa por 20 anos. foto Dico Kremer
Paulo Leminski e a poetiza Alice Ruiz, sua esposa por 20 anos. foto Dico Kremer

Amor bastante


quando eu vi você

tive uma ideia brilhante

foi como se eu olhasse

de dentro de um diamante

e meu olho ganhasse

mil faces num só instante


basta um instante

e você tem amor bastante


um bom poema

leva anos

cinco jogando bola,

mais cinco estudando sânscrito,

seis carregando pedra,

nove namorando a vizinha,

sete levando porrada,

quatro andando sozinho,

três mudando de cidade,

dez trocando de assunto,

uma eternidade, eu e você,

caminhando junto


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Eu tão isósceles


Eu tão isósceles

Você ângulo

Hipóteses

Sobre o meu tesão 


Teses sínteses

Antíteses

Vê bem onde pises

Pode ser meu coração


________


Contranarciso


em mim

eu vejo

o outro

e outro

enfim dezenas

trens passando

vagões cheios

de gente centenas

 

o outro

que há em mim é você

você

e você 


assim como

eu estou em você

eu estou nele

em nós

e só quando

estamos em nós

estamos em paz

mesmo que estejamos

a sós










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